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PRATINHO NA BAGAGEM

Viajar e viver novas experiências. Em outros estados ou em outros países, é fácil se deparar com línguas, pessoas, culturas e, por que não, comidas diferentes. Muitas vezes, os insumos que nos parecem básicos aqui não são tão facilmente encontrados por lá. Como lidar com uma experiência culinária diversificada, por vezes totalmente nova? É comum sentir saudade do gostinho de casa.

FRANÇA
LONDRES
PORTUGAL
SÃO PAULO
Açúcar e tudo o que há de bom

sobre comida regional cearense, uma das lembranças mais expressivas para Max foi justamente o tempero. Segundo ele, existem dificuldades na replicação dos nossos pratos regionais na França, onde vive atualmente. “Eu poderia fazer uma carne aqui, mas não fica igual, entendeu? E por mais que eu tente, mulher, eu não consigo. Eu sinto saudade dessas coisas. Acho que eu sinto mais saudade do tempero do que da comida em si”, relata Max.

 

Natural de Cariri, na região Centro-Sul do estado, Max realiza várias atividades na capital francesa. Hoje, é universitário de Teatro, em Paris, e guia turístico no Descobrindo Paris. Quando surgiu a oportunidade de estudar fora e Paris “surgiu como opção”, ele a abraçou, e é onde o youtuber vive desde 2014. 

O estudante se considera um pouco “fresco” em relação à culinária cearense, mas revela gostar do que chama de “comida regional maxpettersoniana”. Na França, Max tem acesso a ingredientes da gastronomia brasileira, mas nunca encontrou insumos como colorau e carne do sol por lá. O contato com a comida regional têm sido facilitado, porém, pelos turistas que contratam o serviço de guia turístico que ele oferece. 

tempero foi uma palavra que veio a sua mente para completar a clássica frase do desenho infantil As Meninas Superpoderosas, talvez você seja um pouco como o youtuber Max Petterson. Quando perguntado

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O pessoal traz cuscuz, o que nunca mais me faltou. Tá com um ano que eu tenho cuscuz aqui em casa direto. E isso quem traz é a galera que vem fazer guia comigo, espontaneamente. Até pó de café já me deram, tu acredita? O pessoal reserva, paga pelo serviço, aproveita que vai me ver de certeza e traz as coisas. Eu recebo muita comida. Do Brasil todo, viu. Recebo às vezes ali da Amazônia, açaí, cupuaçu… Nem que eu não goste, mulher, mas eu recebo. 

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Outro momento aproveitado por Max Petterson para se deliciar com a comida regional é durante as visitas ao Brasil. Quando está no País, o youtuber procura valorizar ao máximo o que a culinária natal tem a oferecer. “Quando eu vou pro Brasil, eu sempre aproveito para comer. Não tem negócio de subway, de Burger King, pelo menos nas primeiras semanas. Meu negócio é só comer comida regional. Quanto mais PF for, melhor pra mim”, afirma. 

Max Petterson tem público de cerca de 150 mil inscritos no Youtube e de 105 mil seguidores no Instagram. Em 2017, um vídeo no qual falava sobre o calor em Paris viralizou nas redes sociais | Fotos: Reprodução Instagram

Na terra da rainha

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chá, inglês, e a rapadura, cearense. Dois elementos opostos, ou nem tanto assim, deram origem ao que hoje é uma forma de contar histórias de cinco amigas que vivem na Inglaterra. A criação do podcast Chá 

Com Rapadura, em atividade há três anos, foi uma ideia da jornalista brasileira Cíntia Bailey. “Era uma conversa muito engraçada, a gente falando dos perrengues, da história de vida de cada uma, o que cada uma tava fazendo naquele dia, o que tinha acontecido e tal. Eu falei  ‘gente, isso dá um programa, é muito conteúdo”, conta Cíntia, sobre a idealização do Chá.

Para Cíntia, que mora fora do Brasil há 11 anos, as lembranças da comida cearense vão além da rapadura no nome do podcast. Na verdade, a culinária foi uma das áreas que apresentaram maior dificuldade de adaptação para a jornalista. Lá, o ato de comer é percebido de uma outra forma, nem sempre com tanto apreço quanto estamos acostumados do lado de cá do Atlântico.

A gente no Brasil aprecia muito a alimentação. O almoço ele é quente, fresco, você acabou de fazer o almoço, todo mundo senta [para comer]. Tem toda aquela coisa ao redor dos sabores, do tempero. Aqui, o que eu sinto é que a alimentação é como se fosse assim, tem que ter pra não morrer. Tem que comer, se não.. morre de inanição. Então a comida cumpre uma função, que é alimentar. Eu não sinto que tem aquele apreço, aquela coisa do social, que você tá sempre comendo junto das pessoas.

Na culinária, algumas “histórias engraçadas” na vida de Cíntia estão relacionadas à cultura do aproveitamento. O consumo de todas as partes da galinha é um exemplo, que gera estranhamento para o esposo de Cíntia, inglês. “Quando meu marido tá no Brasil e minha mãe tá fazendo uma galinhada, ele abre a panela e vê pé, pescoço, moela, e fica ‘meu deus, o que é isso?’, porque nunca viu. No Brasil, a gente aproveita muita coisa do bicho, do animal que a gente tá comendo. Aqui não, é muito limpinho. Que negócio de comer orelha de porco na feijoada. Nem se pensa, aqui”, explica. 

A comida regional cearense, para Cíntia, é “exatamente a comida que abrange todas as partes de todas as esferas de comida”. Tendo como prato regional favorito o feijão verde com macaxeira, a jornalista também cita o “dar gosto a tudo” e a valorização dos encontros como diferenciais da comida do Ceará. 

“Eu acho que a comida cearense além de gostosa, é criativa, com o uso dos temperos e das misturas. A carne de sol com a batata, por exemplo, que você amassa a batata e faz aquele escondidinho. As pessoas criam esses pratos que você vê e “ah, é só carne seca com batata” mas não é, né, é um negócio maravilhoso. E vem também a parte social, que são os encontros. Você sempre tá alimentando as famílias grandes. Você sempre tá se encontrando com as outras pessoas nos domingos, nos fins de semana. E são [momentos] sempre regados à bebida, os encontros, os churrascos e as celebrações. A gente gosta de celebrar os rituais, a vida da gente. E aqui é mais contido.”

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Mãe de uma menina de oito anos de idade, Sofia, Cíntia também apresenta os nossos sabores para a filha, sempre que possível. No cotidiano, Cíntia prepara arroz com feijão para a família. Quando visita o Brasil, volta com a mala cheia de alimentos como café, farinha e goma para tapioca. Ao citar as comidas que a lembram de casa, Cíntia completa com um ‘aff… que saudade’ bem representativo. É por meio dessa sensação de pertencer que vem da culinária que Cíntia Bailey completa a conversa. “Acho que a culinária é uma coisa que a gente não perde. O sotaque, as lembranças de quando a gente é criança, as brincadeiras, as músicas, as cirandas, isso a gente carrega e carrega muito mais depois que a gente vira mãe. Com a minha filha, a Sofia, eu vejo muito isso. Tudo em volta, como eu apresento as comidas pra ela, tenho uma vontade muito grande de apresentar a culinária da gente, ela gosta da comida da gente. Então é introduzido constantemente”, finaliza.

Cíntia é jornalista, casada com um inglês e tem uma filha de oito anos. Ela é a idealizadora do podcast, que possui site próprio com mais de 80 mil visitas | Fotos: Arquivo Pessoal

A saudade da comida cearense, porém, não iniciou em Portugal. Elayne era funcionária pública em João Pessoa (PR), e desde então já encontrava modos de resgatar o Ceará na culinária, algo relativamente fácil pela proximidade geográfica. Já do outro lado do oceano Atlântico, o acesso aos ingredientes é dificultado, apesar de o brasileiro sempre encontrar um jeito. Restaurantes de comida brasileira, pastelarias e até um Instagram que vende queijo coalho são algumas das formas que os migrantes encontraram para estar perto da terra brasilis.

Ai, que saudade que eu tenho do meu feijão verde

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relação entre Brasil e Portugal ficou mais forte após a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Cientes de que o País enfrentaria mudanças com o novo governo, alguns brasileiros que tinham a oportunidade mudaram. 

É o caso de Elayne Esmeraldo, 34, que faz doutorado em Ciência da Informação em Portugal. A princípio, o objetivo era viajar para o país galego apenas quando a presença fosse necessária, mas o cenário político do Brasil a fez fincar raízes.

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A expectativa de migração brasileira para Portugal existia desde o começo do período eleitoral. O presidente da Câmara de Braga Ricardo Rios escreveu em 24 de outubro de 2018 uma coluna no jornal Correio da Manhã acolhendo os migrantes a “Braguil”, nome oriundo da mistura de Braga e Brasil | Imagem: Reprodução Correio da Manhã

Apesar do gosto pela culinária portuguesa e pela facilidade de acesso a alguns pratos, a saudade que marca a doutoranda é a do feijão verde. Em conversa com a prima de Elayne, Sabryna Esmeraldo, é perceptível que a saudade do alimento virou marca pessoal da cearense: “Ela voltou das férias dela no Brasil há pouco e fez questão de trazer queijo coalho, carne de sol, castanha, cuscuz e feijão verde”. 

 

A vontade de ter um pedaço do Ceará em Braga é tão grande que Elayne chega a desafiar as leis ao trazer carne congelada embrulhada dentro da bagagem. Artifícios de fuga gastronômica à parte, a outra dificuldade é o racionamento de comida. É preciso conter os desejos e garantir que os perecíveis estejam bem conservados para serem consumidos em ocasiões especiais. Por outro lado, tudo vale a pena quando os amigos brasileiros de Elayne se reúnem e cozinham à moda cearense. “Fiz um feijão verde que foi sucesso. A gente chamou todos os brasileiros que não são cearenses, o boy português que eu tô também veio e todo mundo adorou o feijão verde!”, orgulha-se Elayne.

Como tudo o que é bom dura pouco, os únicos registros do dia são da ferramenta stories do Instagram. Confira o banquete que a família Esmeraldo preparou e delicie-se!  | Fotos: Arquivo Pessoal

O meu país Ceará

afetivas é percebida nas histórias de pessoas que moram em outras regiões que não são sua de origem.

 

Caio Faheina, de 24 anos, é natural da cidade de Pacajus (CE). É jornalista e, atualmente, mora em São Paulo (SP) há um ano e meio. Na sua rotina ele busca por meio da comida regional um refúgio para sentir um pouco mais perto de casa. “A minha relação com a comida regional, ela é intrinsecamente ligada à saudade, ao afeto e às memórias”, destaca Caio. 

Quando perguntado sobre o que é comida regional, o jornalista logo informa que é algo forte. É uma relação de memória e de afeto. “O paladar e os sentidos têm muito disso. Eu consigo lembrar da minha infância, da minha adolescência pelos pratos que eu comi, pelas mesas que foram postas durante os almoços aos domingos, que é quando reúne a família em volta da mesa pra comer aquele baião de dois”, relata o cearense.

 

Em São Paulo, nas feiras distribuídas pela cidade, o jornalista busca aliviar a saudade da comida de casa por meio de alguns espaços que vendem comida regional. Outra forma de refúgio do cearense na cidade é por meio de uma amiga, cearense e também jornalista, que faz marmitas com um tempero tipicamente nordestino, considerada incrível por Caio.

 

Dentre os ingrediente que o jornalista sente diferença com as regiões é queijo coalho e a carne do sol, chamada de carne seca em São Paulo. Segundo ele, no tempo em que mora na cidade, nunca conseguiu comer uma carne do sol como come no Ceará. “Aqui é muito difícil encontrar, acho que o preparo também é diferente e eu sinto muita falta disso, desse preparo mais nordestino”, afirma.

 

Caio conta que sempre que algum conhecido que viaja para o Ceará, ele pede para que tragam algo do Estado. Um dos ingredientes em que mais pede é o feijão verde, além do queijo coalho e do refrigerante São Gerardo (cajuína). Dentre os amigos dele, uma em especial costuma levar os alimentos para consumo próprio, causando desejo no rapaz: “Traz um pouquinho mais que eu quero comer na tua casa, faz pra gente”.

 

Em São Paulo, o cearense constantemente trata de conectar as pessoas próximas a ele, com quem convive, a se conectar ao tempero nordestino. “Ou eu trago um refrigerante, ou eu convido para almoçar em algum lugar que tenha uma carne do sol e falo: Ah, isso é muito comum lá no Ceará, experimenta!”, relata. Para ele, é muito importante repensar a comida nordestina cearense para além do sabor e entrando nas memórias.

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uando estamos longe do lugar onde nascemos e vivemos, alguns alimentos ou pratos que preparamos ganham significados carregados de afeto e saudade. A relação estreita entre comida e as memórias

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