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PRATOS TÍPICOS E CÓDIGOS SOCIAIS

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regional? Normalmente, não fazemos esse tipo de pergunta e esquecemos que os pratos fazem parte de um contexto histórico, econômico e político de uma região em particular. Normalmente essas informações não estão escritas em livros de história, mas passam de maneira oral por meio da memória de geração em geração. Sendo assim, como esse compilado de conceitos forma os pratos típicos, constituindo a identidade alimentar e cultural de uma população?

 

A primeira questão a ser abordada é que a cozinha regional não depende da geografia de um local, mas da construção coletiva do saber nessa área. É a partir dos ingredientes disponíveis e dos saberes já carregados pela população que pratos típicos são recriados e construídos. Assim, o que define a cozinha regional é o elo de saberes e sabores que constituem o hábito alimentar de uma localização. Esse elo é erguido pela miscigenação, permitindo o intercâmbio social e cultural por meio das fronteiras, em conjunto com a globalização e a tecnologia, que quebram com rituais de comida que a cozinha exige.

 

Nem sempre a cozinha regional deve ser realizada a partir de ingredientes locais. Muitas vezes ingredientes particulares de um prato bem típico veio de muito longe, por meio de migrantes. Dois exemplos lindos são o tomate e a calabresa. Enquanto o tomate é originário da América Latina, mas parte essencial de receitas italianas – já parou para pensar como seria uma pasta sem molho de tomate? –, a calabresa é uma técnica tradicional da Itália, que foi adaptada com as carnes brasileiras quando os migrantes italianos vieram ao Brasil.

 

A cozinha regional se constrói com alimentos e técnicas disponíveis em contexto específico. Às vezes se perpetuam por décadas, mas em algumas ocasiões são modificadas para se adaptar a uma situação. Exemplo disso é o encarecimento do chocolate na Segunda Guerra Mundial. Como havia grande dificuldade e escassez na produção e transporte do cacau, certas empresas optaram por adaptar seus doces utilizando outro produto parecido, porém mais fácil de adquirir e de render: o creme de avelã.

 

A culinária regional faz parte da repetição de vários ingredientes e preparações feitas em uma região, é um conhecimento adquirido por meio da experiência e da repetição de práticas vistas no dia a dia. A repetição deste símbolo produz uma construção social que ergue uma cultura e um patrimônio regional. Ou seja, a identidade da culinária regional é o resultado do cruzamento de códigos desenvolvidos ao longo do tempo. O importante para entender a culinária regional é que ela é um material histórico que reproduz a lógica cultural e social. Com base neste patrimônio material (alimentos e ingredientes), são criados códigos de identidade que permitem um senso de regionalidade, criando uma comunidade que incentiva a criação de um patrimônio material: a culinária.

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Os códigos sociais são regras que as pessoas aprendem ao conviver em uma sociedade. Por exemplo, na cultura ocidental você sabe que não pode se casar com os seus pais ou seus irmãos, mas ninguém nunca te ensinou isso na escola ou em casa. Você sabe dessa regra porque a sociedade te empurra a entender os códigos sociais de maneira abstrata. No caso da cozinha regional, as regras são: ingredientes, modo de preparo, datas festivas, horários, o como se come, o que se come e com quem se come. Para os brasileiros, por exemplo, é normal ver na mesa um café (ou café com leite) na hora do desjejum, mas em países como o Japão o café não é consumido nesse horário. Para eles, o café é um código social que não faz parte das regras deles, da mesma forma que para alguns brasileiros não faz sentido comer logo de manhã arroz com legumes e carnes acompanhado de sopa e chá.

 

Os códigos sociais permitem que você se encaixe em uma determinada sociedade. É por isso que quando viajamos estamos dispostos a entender e aprender os códigos sociais do local que visitamos. Eles contribuem para que você tenha sentimento de pertencimento e que sua identidade esteja conectada à região, por meio de memórias coletivas que fazem você “encaixar” em certa regionalidade. Os alimentos (assim como a música e a dança) são os principais condutores de códigos sociais, já que, além de transportar símbolos e códigos, a comida também transporta patrimônio.

 

A culinária regional é uma forma de resgatar conhecimentos que estão desaparecendo, ou que estão sendo homogeneizados pelo fluxo constante de avanços tecnológicos - como o iFood e YouTube. A tradição oral e o aprendizado de gerações acabou substituído por essas tecnologias, assim como o próprio interesse em cozinhar. Assim, características históricas vão se perdendo, situação ainda mais evidente na sociedade. O que mantém a identidade da culinária regional é a memória coletiva, e por isso, é importante que a cultura e a prática alimentar continuem vivas, para garantir a permanência da própria identidade das comunidades.​

empre que viajamos ou recebemos estrangeiros em nossas cidades uma das paradas obrigatórias é comer um prato típico. Mas, o que realmente seria um prato típico? Ou mais especificamente, o que é uma comida

ANTROPÓLOGA SOCIAL
Diana Trujillo
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